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Péricles Cavalcanti

Na trilha de Péricles Cavalcanti

entrevista realizada pelo cineasta Carlos Adriano, publicada na Revista eletrônica “Trópico”, em outubro de 2004

— O que há de bom e o que há de ruim?

Péricles: Gosto de muitas coisas que têm sido feitas por novos artistas, ultimamente, além das já citadas anteriormente aqui em nossa conversa. Vou citar algumas delas. Gosto de Vanessa da Matta. Acho que ela canta bem, é linda no palco, e compõe com uma espécie de estranheza que soa, ao mesmo tempo, primitiva e sofisticada.

Gosto de Los Hermanos. Acho o “Bloco do eu sozinho” lindíssimo, um disco de banda como não se ouvia desde aqueles de Chico Science e Nação Zumbi, ou “Severino” dos Paralamas, ou “Tudo ao mesmo tempo agora” dos Titãs.

Gosto de muito do que se faz com rap e hip hop. Adoro os Racionais e a gravação que eles fizeram de “Da ponte para cá” (no disco “Nada como um dia após o outro”). Adoro funk carioca, o “batidão” e o fluminense “De leve”, com seu “estilo foda-se” 1.

Gosto de Pitty, acho que ela tem muito “pique”, com se dizia nos anos 70. Baiano sabe fazer rock 'n' roll, basta lembrar Raul Seixas e o Camisa de Vênus. Gravei no “Blues 55” uma música que eu adoro, chamada “O cantor de jazz”, do repertório de um grupo de rock baiano, Dr. Cascadura.

Gosto do disco “Cabeça Coração” de Arícia Mess, que o Lenine, do maravilhoso “O dia em que faremos contato”, me apresentou. Acho a produção musical do disco de Arícia, moderna e impecável.

Gosto da produção musical do grupo composto por Moreno Veloso, Domênico Lancelotti, Pedro Sá e Kassin (entre outros), Acho o disco de Moreno + dois, “Máquina de escrever música”, lindo. Acho também que Kassin produziu um dos melhores discos lançados recentemente: “Eu não peço desculpa”, de Caetano e Mautner. E acho que Ivete Sangalo e Sandy são cantoras extraordinárias.

— Queria aproveitar sua formação de filósofo e propor um jogo epistemológico - ou seria hermenêutico?. Vou citar escolas musicais e você relaciona a um filósofo ou corrente filosófica, comentando. Começo: samba carioca, de um Nelson Cavaquinho, um Cartola...

Péricles: Nelson Cavaquinho é para mim um dos maiores compositores de canções do mundo. Ele tem um estilo tão próprio que, não importa quem seja o seu parceiro, é sempre imediatamente identificável, mesmo filosoficamente. Portanto, ele é o seu próprio filósofo.

Mas, se eu fosse pensar em algum outro para fazer uma analogia mesmo que longínqua, talvez pensasse em Kierkegaard, Schopenhauer ou Heidegger, ou qualquer outro que tivesse pensado com profundidade a questão da finitude e do destino irônico do homem. Cartola, com sua elegância natural, estaria mais próximo de algum filósofo francês da belle époque, talvez Henri Bergson.

— Bossa nova...

Péricles: Pensando assim no geral, eu diria que a Bossa Nova estaria mais próxima dos filósofos da liberdade e da vida em equilíbrio com a natureza, os maravilhosos Emerson e Thoreau, norte-americanos do século XIX.

— Grupo Música Nova...

Péricles: Não conheço muito bem o trabalho e os músicos do grupo Música Nova, mas pelo que sei, e me baseio aqui principalmente nas composições que conheço de Gilberto Mendes, a linguagem musical em geral - e suas estruturas - é o que lhes interessa acima de tudo. Portanto, acho razoável tentar aproximá-los de filósofos da linguagem ou do estudo dos signos em geral, como Saussurre e Peirce.

— Tropicália…

Péricles: O tropicalismo já se identificou filosoficamente com a antropofagia de Oswald de Andrade. O que não é pouco. Augusto de Campos que o diga. Por outro lado, a valorização de um certo impulso vitalista na defesa de manifestações culturais, ou mesmo de alguns artistas, renegados por um certo “bom gosto” oficial (como a chamada “música brega”, ou mesmo a “jovem guarda”), enfim o “dizer não ao não” explicitado na canção “É proibido proibir” de Caetano, pode aproximar o movimento do Nietzsche defensor da vida como afirmação total, como um Sim irrestrito.

— Punk nacional…

Péricles: Não sei em que grupos ou artistas você está pensando, mas se for no movimento como ele aconteceu no final dos anos 70 e começo dos 80, com grupos como Sex Pistols, na Inglaterra, ou Camisa de Vênus e Ratos de Porão, entre outros, aqui, acho que eles também estariam ligados a um certo "vitalismo" mais adolescente (o que também me agrada)‚ mais focado numa rebeldia intermitente.

Eu me lembro que tem um grupo, ou tinha, chamado “Não religião”. Schopenhauer e Nietzsche, em muitos aspectos, me parecem também indicados para esse caso. Estendendo a analogia um pouco, gosto muito dos textos de Timothy Leary, um filósofo muito ligado à cultura rock dos anos 60, sobre os ciberpunks.

— Rap paulista...

Péricles: Acho o Mano Brown, dos Racionais MC's, um narrador excepcional: objetivo, conciso, atento às nuances da história que ele está contando e sempre procurando relacionar os personagens a fatos, situações e contextos sociais precisos. Aliás, esta ida e vinda entre o individual e o social é uma característica do melhor rap, em qualquer língua. Acho então que um filósofo ideal, neste caso, seria um que fosse uma mistura de Marx com Montaigne.

— Por que você nunca caiu nas graças – ou nas desgraças - do mercado? Por elegância? Por discrição? Para manter a liberdade de criação?

Péricles: Se não existissem mercados, não existiriam as cidades, pelo menos como nós as conhecemos. Se não existissem as cidades como nós as conhecemos, não existiria música tal como é, de maioria ou minoria de massa, e isso desde muito antes da “era das comunicações”.

Eu adoro a vida urbana e não tenho vontade nenhuma de morar longe dela e de suas “redes”. Portanto, não me sinto ameaçado pelos “mercados” de música, nem faço o que faço com o objetivo de me excluir deles. Antes, gosto de saber e de mostrar que o que faço está “ligado” de diversas maneiras às diversas correntes e fluxos, a “dialetos” musicais e poéticos que me antecederam ou que me são contemporâneos. Não me sinto numa contramão. Pelo contrário, me sinto, conservando a metáfora urbana, numa avenida larga com muitas pistas e sentidos.

Carlos Adriano É cineasta e mestre em cinema pela USP. Realizou “Remanescências” (aquisição/coleção The New York Public Library), “A Voz e O Vazio: A Vez de Vassourinha” (melhor curta documentário Chicago Film Festival), “O Papa da Pulpi” e “Militância”. O Festival de Locarno exibiu em agosto de 2003 a mostra completa de seus filmes.

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